"E POR VEZES"

A minha despedida

Um dia quando eu partir
Quero que saibas o quanto te amei.
Mesmo que vá sem me despedir
Recordo sempre o que passei.

Quando sentires a saudade
Olha para o céu, onde eu vou estar,
Recorda a nossa amizade
Lembra-te eu sempre te vou amar.

Amizade como a nossa
No mundo nunca vai haver,
Lembra-te dos bons momentos
Sem nunca os maus esquecer.

Lembra-te das flores,
Das pulseiras e da viagem
Relembra que o que passaste
Não foi apenas uma miragem

Aqui no meu quarto,
Onde me encontro quase sem vida,
Adeus meu amor
Esta é a minha despedida.

Tatiana Vanessa, nº27 TF1

Ladainha do Póstumos Natal

Há-de vim um natal e será o primeiro 
em que se veja á mesa o meu lugar vazio.

Há-de vir um natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de um modo menos nítido.

Há-de vir um natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo.

Há-de vir um natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido.

Há-de vir um natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro.

Há-de vir um natal e será o primeiro
em que terei de novo o nada a sós comigo.

Há-de vir um natal e será o primeiro
em que nem o natal terá qualquer sentido.

Há-de vir um natal e será o primeiro
em que o nada retome a cor do infinito.

Análise do poema

O poema fala sobre um Natal, o primeiro natal diferente do ponto de vista do poeta. Um natal daqui a um tempo, sem David á mesa, sem ninguém vivo que ele conheça. 

Figuras de estilo

"Há-de vim um natal e será o primeiro 
em que"
Anáfora- repetição de uma ou mais palavras no inicio de cada verso

"em que não viva já ninguém meu conhecido."
"em que nem vivo esteja um verso deste livro."
Anástrofe- Inversão da ordem das palavras

"em que hão-de me lembrar de um modo menos nítido." e "em que não viva já ninguém meu conhecido."
Antítese- Apresentação de um contraste entre duas ideias

"em que não viva já ninguém meu conhecido."
Eufemismo- Dizer de forma suave uma ideia desagradável

Ternura

Desvio dos teus ombros o lençol
Que é feito de ternura amarrotada,
Da frescura que vem depois do sol,
Quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
Como vultos perdidos na cidade
Onde uma tempestade sobre veio.

Começas a vestir-te, lentamente,
E é ternura também que vou vestindo
Para enfrentar lá fora a gente
Que da nossa ternura anda sorrindo

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos quando estamos sós!

Análise do poema

   Este poema fala sobre a relação de duas pessoas.
   Na primeira quadra o poeta tenta passar-nos a ideia de que o que aconteceu entre si e o outro sujeito foi cheio de ternura, como o lençol amarrotado que os tapava. Lençol o mesmo que era coberto de toda a frescura que sempre aparecia depois do sol, que talvez fosse o ato sexual. Mas para o poeta depois do sol não vem mais nada, depois daquilo que ali aconteceu mais nada se passará.
   Na segunda estrofe o poeta encara a roupa que outrora teria sido espalhada no chão e consegue no meio dela encontrar vestígios de ternura, pouca ternura, comparando-a aos vultos que uma cidade tem logo depois de uma cidade a ter invadido.
   O poeta compara a sua roupa á ternura que ainda sentia, "ternura" essa que ele iria usar para sair á rua, uma vez que não podia sair nu.
   Nas ultimas duas estrofes o poeta passa aos leitores a ideia de que entre ele e a outra pessoa se passa algo que ninguém sabe. Toda a gente os vê com a "ternura" vestida enquanto se passeiam pela rua, mas ninguém imagina que quando estão sós a despem com imensa rapidez.  

Figuras de estilo

"Da frescura que vem depois do sol,
Quando depois do sol não vem mais nada..."
Antítese- apresentação de um contraste entre duas ideias.

 "Há restos de ternura pelo meio,
Como vultos perdidos na cidade"
Comparação- relação de semelhança entre duas ideias, através de uma palavra ou expressão comparativa, ou de verbos a esta equivalentes.

"Para enfrentar lá fora a gente
Que da nossa ternura anda sorrindo"
Ironia- figura que sugere o contrário do que se quer dizer.

Escada sem corrimão

É uma escada em caracol
E que não tem corrimão.
Vai a caminho do sol 
Mas nunca passa do chão.

Os degraus, quanto mais altos,

Mais estragados estão,
Nem sustos nem sobressaltos
Servem sequer de lição.

Quem tem medo não a sobe

Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração.

Sobe-se numa corrida.

Corre-se perigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
A escada sem corrimão.

Análise do poema
O poema é constituído por dezasseis versos, distribuídos por quatro quadras.
Rima solta na primeira e terceira estrofe da terceira quadra e rima cruzada no restante poema.


Análise
 Temática 
Primeira Estrofe:

É uma escada em caracol
E que não tem corrimão.
Vai a caminho do sol 
Mas nunca passa do chão.

Quando o poeta diz «É uma escada em caracol» resume-se á vida e ás voltas que ela dá, «E que não tem corrimão.» significa que não tem apoios. As duas ultimas estrofes são a comparação entre o sol e o chão, ou seja, entre os sonhos e a realidade. A subida da escada são as várias etapas da vida que vão "(...)a caminho do sol", a caminho do sonho, «Mas nunca passa do chão», quer dizer que não há concretização dos sonhos.

Segunda Estrofe:

Os degraus, quanto mais altos,
Mais estragados estão,
Nem sustos nem sobressaltos
Servem sequer de lição.

«degraus» são as etapas da vida. Á medida que vamos envelhecendo, ficamos marcado, "estragados", mas nem sempre aprendemos a lição da vida, mesmo com os sustos que apanhamos.

Terceira Estrofe:

Quem tem medo não a sobe
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração.

Quando temos medo não ultrapassamos as etapas da vida, o que faz com que não subamos nenhum degrau. Há pessoas que chegam a "deitar fora" a base do coração.

Quarta Estrofe:

Sobe-se numa corrida.
Corre-se perigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
A escada sem corrimão.

«Sobe-se numa corrida
Correm-se perigos em vão» a vida passa muito depressa e muitas das vezes corremos perigos desnecessários.
No fim do poema o poeta frisa mais uma vez que a vida é a tal escada que não tem corrimão, devemos vivê-la com o apoio da família e amigos, que nos vão ajudando nas quedas que damos.

Figuras de Estilo


"Vai a caminho do sol 
Mas nunca passa do chão."
Antítese- apresentação de um contraste entre duas ideias

"Os degraus, quanto mais altos,
Mais estragados estão,
Nem sustos nem sobressaltos
Servem sequer de lição."
Aliteração (s)- repetição de sons de consoantes, neste caso do S

"Quem tem medo não a sobe
Quem tem sonhos também não."
Anáfora- repetição de uma ou mais palavras no inicio de um verso

Biografia de Mourão-Ferreira

   Licenciou-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951. Mais tarde, em 1957 foi professor nesta, tendo-se destacado como um dos grande poetas contemporâneos do séc. XX.
   Mourão Ferreira trabalhou em vários jornais, dos quais se destacam a Seara Nova e o Diário Popular. Foi também um dos fundadores da revista Távola Redonda. Durante dez anos, de 1963 a 1973, foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No governo desempenhou a função de Secretário de Estado da Cultura. Foi ainda autor de alguns programas de televisão, como o Imagens da Poesia Europeia, na RTP.
   Em 1996 recebeu o prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.
   Do primeiro casamento, com Maria Eulália nasceram David João e Adelaide Constança, que lhe deram onze netos e netas.
   Em 2005 a Universidade de Bari e o Instituto Camões decidiram homenagear o poeta abrindo nessa mesma cidade o Centro Studi Lusofoni- Cátedra David Mourão Ferreira. Este centro, dirigido pela Professora Fernanda Toriello tem como objectivo o estudo da obra de David Mourão Ferreira e a divulgação da língua portuguesa, promovendo também o Prémio Europa David Mourão Ferreira.